(Para mim, o mais interessante neste texto, é que ele foi feito a partir de uma leitura de um romance no tempo que eu ainda cursava Ciências Sociais. Acredito que hoje não teria a mesma forma, nem de escrita ou análise, mas não tenho ferramentas para afirmar contundentemente isso. Aos amigos da área de Teoria Literária, a análise de dois Valter(es) possíveis tem aqui um bom lugar. O texto foi feito no primeiro semestre de 2004).
Mais do que uma simples história, mais do que algumas linhas traçadas com o intuito de agradar o gosto literário dos consumidores. Estamos diante de um livro forte, carregado de sentimento e sobretudo de verdade. Refiro-me a obra de Ferréz, Capão Pecado, livro que conta, de forma romanceada, o cotidiano tenso dos moradores de um bairro que tem sob seu signo a imagem da crueldade física, mas que aos olhos menos atentos foge a situação de exclusão que lá fora impiedosamente implantada e que, segundo a estrutura de nossas instituições oficiais, não é algo anômalo considerando a forma que se organiza a sociedade em que vivemos.
Ferréz trata da miséria de um povo que vive sob as mais diversas formas de exclusão. A exclusão política – dada a falta de representação de seus interesses frente às autoridades das mais diversas instâncias (municipal, estadual ou federal) –, a exclusão econômica – a qual lhes impede de progredir e conquistar um lugar ao sol dentro de tempestuoso mercado de trabalho –, a exclusão social – que lhes nega direitos básicos num sistema criado sob máximas de liberdade e igualdade, e que não chega a estes indivíduos sequer na forma de assistencialismo – e a pior de todas as exclusões, a humana.
Quando penso em exclusão humana, não quero dizer que os homens são excluídos, o que pareceria no mínimo redundante. Penso sim na exclusão que os homens fazem de outros homens, numa desconsideração direta, sem intermediários. E é nisso que a obra de Ferréz fere aqueles que se julgam menos excludentes, afinal não é novidade a existência de favelas e bairros que abrigam pessoas de baixa renda, nem tampouco que há uma realidade diferente, com leis e regras “alternativas”, onde todos, bons ou maus, estão propícios ao mesmo destino, o que raramente se parece com os finais felizes que a mídia vomita sobre nossas cabeças todos os dias. Se tudo isso é verdade, onde estamos nós, sujeitos que se auto-definem como críticos e conscientes? Por que tão poucos se prezam a fazer parte desta voz que tentam violentamente calar a cada dia?
Mas do que o prazer de vermos alguém que tinha tudo para consentir com a situação colocada e viver sua vida entre o risco das balas, a superficialidade do trabalho escravo disfarçado pelo assaliariamento capitalista e o alívio fútil e abstrato das drogas, Ferréz nos mostra que é hora de não mais termos pena, não mais termos dó. O momento pede (para não dizer suplica) que assumamos nossa condição de cidadão ditos conscientes e comprometidos com o trabalho em prol daqueles que por tantas vezes consideramos desafortunados, mas são apenas as vítimas de nossa inércia, de nosso egoísmo, de nossa desconsideração.
O livro, obviamente, pode apresentar várias outras leituras, mas espero que todos os que se aventurarem a decifrar suas linhas tenham as suas feridas cutucadas além da superficialidade, e dessa maneira, tomem seu posicionamento realmente cidadão, discordante das atrocidades ocasionadas pela usura e pelo individualismo de nossa sociedade.
C NÃO TRABALHA MAIS AQUI
Há 8 anos
2 comentários:
Valter teno ter ho pensado a trajetória do Ferrez sob a perspectiva literária neste momento. Gostaria de uma avaliação sua nesses termos (estilística,estética,condução da trama etcetc) a respeito de Capão Pecado e Manual Prático do Ódio.
Beijos
Valter teno ter ho pensado a trajetória do Ferrez sob a perspectiva literária neste momento. Gostaria de uma avaliação sua nesses termos (estilística,estética,condução da trama etcetc) a respeito de Capão Pecado e Manual Prático do Ódio.
Beijos
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