(Feito no segundo semestre de 2004, não lembro a data com precisão).
Ela, Patrícia Penélope Figueiredo Albuquerque, acordou naquele dia ao som da sua banda de “pop rock” predileta às seis horas da manhã, conforme havia programado em seu aparelho de som de última geração, comprado recentemente à vista numa página da internet. Ele, José, ou apenas Zezinho, as cinco e meia já estava em pé, despertado pelo ronco dos ônibus que desciam a rua de sua casa em disparada e faziam estremecer as paredes do lugar que sua mãe insistia em chamar de lar.
No café da manhã, os brioches e croissant, regados a suco natural com adoçante da mesa dela, distanciavam-se do pão amanhecido e do café ralo que ele tomava, deliciando-se com uma piada pronta que seu irmão fazia com a irmã do meio: “O chafé tá pronto?”.
Banho de hidromassagem, xampu importado, condicionador e creme disciplinador para o cabelo, sabonete líquido de ervas aromáticas, toalha de algodão bordada com as iniciais, máscara facial, escova de dente elétrica com pasta sabor “tutti-frutti” que brilha no escuro, secador de cabelo, roupa da moda, presilhas, cinto, bolsa e demais acessórios; maquiagem leve, porém completa.
Short, chinelo, camiseta regata e boné. Um “oi” na escova de dente quase sem cerdas e um sorriso apressado no espelho 15x25cm.
Destino: ela para o colégio; ele para o cruzamento. Brincadeira do destino: o colégio fica na frente do cruzamento.
O motorista que presta serviço a um dos donos da fábrica de chinelos leva Patrícia Penélope para a escola e fecha o vidro do carro – que não é dele – na cara do José vendedor de balas que, por sua vez, usa os chinelos da fábrica do pai de Patrícia.
Os dois jovens, numa rara oportunidade, dividem o mesmo espaço – a rua –, a mesma situação – o assalto ao carro forte da agência bancária que fica em frente ao colégio particular – e o mesmo presente – a bala perdida.
Nele, bala calibre 22 na região abdominal. Não sangrou muito e não retirou-lhe a consciência. Nada que um pronto atendimento não pudesse cuidar sem grandes complicações ao paciente. Nela, perfuração na região do peito, próxima ao coração. Caso delicado. Risco de morte.
O plano de saúde dela utilizou até um helicóptero e salvou-lhe a vida, finalizando os procedimentos cirúrgicos com uma plástica corretiva, alguns meses de análise com psicólogo particular e uma estadia de um mês em um “spa” para relaxar e esquecer o trauma de andar na rua. Já o atendimento para José foi muito demorado e ele faleceu por hemorragia interna. Os médicos disseram que precisavam da autorização dos pais para operá-lo, mas sua mãe só ficou sabendo do fato quando saiu da casa dos Figueiredo Albuquerque, onde trabalhava como doméstica.
Nota: os jornais acompanharam o caso de Patrícia Penélope com notícias de 1a página e artigos de protesto durante várias semanas. José teve direito a uma nota no edital de necrologia .
C NÃO TRABALHA MAIS AQUI
Há 8 anos
Um comentário:
Olha aí o flerte com a literatura rsrsrs muito bom!
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