segunda-feira, 4 de junho de 2007

Cuidado cachorro!

Digressões de um dia difícil. Feito em 21 de setembro de 2005.

Cuidado cachorro!
Neste momento, eu queria ser o que todos torcem ou acham. Queria ser puto ou alcoviteiro. Queria ser o dado, o sem-limites, o topa-tudo, o niilista. Queria não
ser o fiel amigo, o fiel companheiro. Mas nós, cães (talvez os poucos que sobraram), aprendemos sempre a rolar e dar a pata, e estamos no eterno aprendizado
de nos fingir de morto.
Mijo de poste em poste demarcando meu território sem perceber que é o meu dono que
define o meu caminho.
Engulo minha vida que é cheia de louros – como os louros colhidos pelos heróis. Mas os meus são diferentes (como sempre!). Minha loira em minha frente, engulo-a sempre
com prazer, mesmo sendo amarga, mesmo sendo fria, mesmo esfolando a minha garganta nesta quase última noite de inverno (que apesar do avançado da hora, do
determinismo temporal, promete ainda assim ser longa). Minha loira, a que desce agora, é quente e arrepiante, diria quase repugnante pelo gosto forte e pouco
apreciativo. Desce com o meu gosto, desce por que quero, desce para dentro de mim (agora quente).
O adestramento não pára no aprendizado precedente. A questionável sabedoria diz que cães que ladrem não mordem. Inútil e inocente sabedoria. Mal sabe que há muito não
lato e, sequer, mordo. Agora sei que, dia-a-dia, aprendo até a mostrar os dentes sem rosnar.
Um dia, uma noite e mais uma que engulo a seco nos bares. Quem dera poder! Quem dera conseguir! Mas só querem que eu seja o que eles pensam que eu sou (ou o que eu
possa ser). Recolho-me à minha hipocrisia e volto ébrio para acordar como se nada tivesse acontecido. De poste em poste, demarcando território. (Que território?) Volto
amanhã a tudo o que querem. Volto amanhã com minha neurose e minha dor de cabeça. Volto amanhã porque ainda há o medo da morte.

Juventudes partidárias - Artigo

Breve resumo explicativo: este é um artigo feito a partir do trabalho de conclusão de curso em Ciências Sociais. Se interessar a alguém, tanto o trabalho completo como a bibliografia utilizada podem ser enviados via correio eletrônico, basta pedi-lo.
O artigo é de março de 2005 e foi escrito para o Congresso de Sociologia realizado em Belo Horizonte no mesmo ano.


INTRODUÇÃO. Nos dias atuais, nota-se que a temática juventude retoma o ambiente de discussão em diversos níveis, sendo recorrente em falas sobre cultura, emprego, sexualidade e inclusão. Não diferente, as Ciências Sociais ensaiam um retorno ao tema, ainda um pouco tímido porém necessário.

Neste artigo, pretende-se discutir as questões relativas à afiliação partidária entre os jovens, observados em três diferentes partidos na cidade de Piracicaba (interior de São Paulo), quais sejam o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) – sob o signo institucional da União da Juventude Socialista (UJS) ­–, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido dos Trabalhadores (PT). Nesta pequena amostra, temos representados os dois partidos de maior expressão no cenário político atual (PSDB e PT), além do partido de maior expressão entre os movimentos estudantis (PCdoB) – este último dado constatado pela relevante presença da UJS nas principais direções executivas dos movimentos estudantis.

O estudo é uma reflexão sobre a relevância que estes grupos juvenis têm com relação a formação social e política dos jovens, buscando perceber os símbolos que compõem este universo, os motivos incentivadores da busca pelo grupo e as características singulares da vida partidária mediante outras possibilidades de agrupamento. Através destes objetivos, busca-se traçar o perfil da juventude que busca nos partidos políticos uma forma de interpretação e atuação na sociedade a que pertencem.

Também foi incentivador do desenvolvimento deste trabalho a recorrente idéia de que os agrupamentos partidários juvenis passam por uma crise e esvaziamento de contingente, perdendo espaço para os movimentos culturais e religiosos.

JUVENTUDE E CIÊNCIAS SOCIAIS. Apesar do tema ter retomado o corpo das discussões na sociedade brasileira, dentro das Ciências Sociais sua presença ainda é tímida e limitada. A questão juvenil, nos últimos tempos, tem sido delegada para outras áreas do conhecimento que, dependendo da abordagem metodológica, dão margem a interpretações preconceituosas, etnocêntricas e unidisciplinar.

Por vezes, a questão é encarada apenas sob o olhar da Pedagogia, tratando a juventude como assunto meramente educacional. Sim, a educação é um processo presente e de imensurável importância para se estudar aquilo que cerca a problemática juvenil, contudo esta educação ultrapassa os muros institucionais da escola, sendo pois influenciada pela família, igreja, grupos sociais, etc. Em outras palavras, a educação é um processo de socialização que envolve a formalidade estruturada e a informalidade das relações sociais, sendo portando uma preocupação também das Ciências Sociais.

Em outras oportunidades, os questionamentos sobre o tema são delegados à Psicologia. Sem descartar as contribuições que esta área do conhecimento tem dado para se entender o ser humano, sua utilização como única forma explicativa, por diversas vezes, confere à questão um aspecto puramente patológico, conotando a idéia de crise da juventude. A área relaciona suas análises mais ao indivíduo do que ao seu grupo, e ao se pensar unicamente através da ótica psicológica, pode-se chegar, dependendo do que se objetiva, a um resultado fragmentado, fruto de um enfoque que separa a questão do todo que a envolve, descontextualizando o jovem de sua história e da própria sociedade.

Longe de se defender uma suposta supremacia de uma área do conhecimento sobre outras, o que se busca com estas críticas é a volta da preocupação das Ciências Sociais com as questões sobre a juventude, não de uma forma arrogante, com ares de auto-suficiência teórica, mas sim através da constante troca com todas as áreas correlatas, no esforço de romper com tal fragmentação em busca de uma junção muldisciplinar (ou multivisionária), de um trabalho horizontal e complementar entre as diferentes formas de abordagens e observações.

JUVENTUDE E CONCEITUAÇÃO. A juventude é um fenômeno tipicamente humano e característico das sociedades modernas e industriais. Caracteriza-se basicamente como o período de transição da fase infantil para a adulta, num fenômeno várias vezes identificado como problemático, cercado por inúmeras transformações de âmbito físico, psicológico e social.

É bastante recorrente uma idéia de crise da juventude, comum em discursos ideologicamente dominantes do mundo adulto, o qual considera o jovem como um ser incompleto e em fase de “amadurecimento”. É, sem dúvida, um pensamento evolucionista e etnocêntrico, que considera a fase adulta como ápice da vida humana, implicando na idéia de que o indivíduo que se encontra “mal adaptado” à estrutura pré-estabelecida não pode ser considerado adulto.

O contraponto a esta abordagem é a interpretação da juventude como a etapa na seqüência de vida dos indivíduos em que ocorre uma ruptura com as formas características de relações sociais típicas do mundo infantil e se constroem novas relações sociais visando a autonomia própria do mundo adulto, sem considerar, no entanto, que este último seja melhor ou pior que outros pertinentes a momentos distintos da vida. Este enfoque abre precedentes para considerar o ser humano como um ser em constante transformação e em busca de significados que lhe dêem subsídios para entender tanto o mundo que o rodeia como a si mesmo. Soma-se que, como grupo específico, a juventude é repleta de símbolos e significações específicas que lhe dão identidade própria e são criadas por aqueles que a ela pertencem.

Para melhor orientação do pensamento, entende-se a juventude como uma categoria social.

Ao ser definida como categoria social, a juventude torna-se, ao mesmo tempo, uma representação ou criação simbólica, fabricada pelos grupos sociais ou pelos próprios indivíduos tidos como jovens, para significar uma série de comportamentos e atitudes a ela atribuídos. Ao mesmo tempo, é uma situação vivida em comum por certos indivíduos (GROPPO, 2000, p.7-8).

Ao considerar esse período da vida como categoria social, respeita-se também o fluxo e o sentido de pertencimento que os membros dos grupos identificados como juvenis têm com relação às etapas de vida infantil e adulta, além de, é lógico, suas condições atuais.

Tendo posto, é notório que para a construção de sua própria identidade, o jovem procura seus pares em grupos e organizações com características específicas – sejam eles institucionalizados ou não ­–, as quais devem ir ao encontro de suas expectativas e anseios. A busca de sua distinção em relação à infância é feita através da aglutinação junto àqueles que lhe parecem próximos nas idéias, no comportamento, enfim, no estilo de vida que se tem ou se deseja ter. Essa proximidade é condicionada (e escolhida) segundo a concordância relacionada aos símbolos de cada grupo, sejam de ordem étnica, política, cultural, religiosa, etc., revelando uma certa necessidade que o jovem sente no momento da procura pelos seus pares. Tais necessidades de ordem identiditária e distinta, desemboca nas relações sociais que constituirão, durante a juventude, a formação de uma autonomia adulta, via de regra, pela participação em grupos e pela interação que neles se configura. Isso não quer dizer que estas sejam as únicas responsáveis pela formação da autonomia do indivíduo adulto, apenas fazem parte do complemento de um todo social, marcado pelos relacionamentos oriundos de uma infância e os que serão somados numa nova etapa, com a troca simbólica com novos indivíduos ao longo da vida adulta.

JUVENTUDE E PARTIDOS POLÍTICOS. Para consolidar sua participação política na sociedade, os partidos políticos necessitam não apenas de quadros formadores, mas também de novos quadros que dêem seqüência a seus projetos e programas. Assim, ao aceitar a filiação de jovens, e organiza-los de forma especial – formando as juventudes partidárias – ele tem algum interesse com relação a tais indivíduos e utiliza um programa especificamente a eles dirigidos para alcançar determinados objetivos.

Independente da orientação política que seguem, seja a direita mantenedora do status quo ou a esquerda contestadora, os partidos políticos modernos têm tido a preocupação de aglutinar seus jovens em grupos, visando utilizar a dita “força da juventude” na luta pelos ideais concernentes aos do partido. E apesar da juventude se fazer presente na maioria dos partidos políticos, há uma tendência de senso comum que acredita que ela é uma fase de “rebeldia” contra as instituições e, por isso, a procura por partidos de mudança e de contestação ao sistema vigente é quase que unânime. Mannheim (1968, p.74) já dizia que “a juventude não é progressista nem conservadora por índole”, e por mais que o mesmo autor afirme que as sociedades estáticas tendem a confiar na experiência dos velhos em contraposição às sociedades dinâmicas, que tendem à cooperação dos mais jovens (ibdem, p.72), tal explicação é insatisfatória, pois não explica a presença dos jovens nos partidos cujo discurso e a história não demonstram propostas de mudança social, tampouco a forte presença de jovens em movimentos ultra-conservadores como os nazista da Alemanha de Hitler[1].

Neste trabalho, os jovens procurados pertencem a partidos distintos em ideologia e história, e se apresentam da seguinte forma:

PCdoB: o partido mais antigo dos pesquisados, com data de origem registrada em 1922. Organiza sua juventude sob o signo da União da Juventude Socialista (UJS) e comanda as principais direções do movimento estudantil (notoriamente a União Nacional dos Estudantes e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, respectivamente UNE e UBES);

– PSDB: partido de grande expressão nacional. Sua história é recente, com seus atos de fundação datado em 1988. Também é recente sua organização juvenil, idealizada e fundada em 1999; e

– PT: também de história recente, com fundação em 1980. Sua juventude é organizada dentro do próprio partido e se apresenta como maior adversária na luta pela direção das entidades do movimento estudantil.

As entrevistas foram realizadas na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo, entre os meses de abril e novembro de 2004, e deles pode-se retirar as impressões que seguem abaixo.

SEGUINDO A VOZ DO JOVEM. É necessário dizer, antes de demonstrar as impressões e análises obtidas através da pesquisa, que ao tratar a juventude como uma categoria social na qual a simbologia e significação do que a rodeia emergem como parâmetros para sua própria delimitação, além de se debruçar nas falas dos jovens como caminho para a análise do tema, condição do subjetivo foi elevada a um patamar de relevância ímpar. Esta subjetividade que para vários estudiosos parece uma trilha obscura e perigosa, no presente trabalho foi quem deu vida à teoria e concretude ao pensamento juvenil, esclarecendo pontos que se perderiam na superficialidade da observação à distância.

Apesar de muitas vezes censurados por sua própria condição partidária, que de início levava a respostas demoradas, rebuscadas e embaraçadas, eles de modo geral portaram-se de forma segura, demonstrando suas significações para com o tema. A repulsa ao gravador, a desconfiança e a timidez provocadas no começo do contato, era substituída pelo bom humor, pela lembrança comovente sobre o passado, pela segurança de quem fala sobre si mesmo e sobre o seu grupo. Apenas os de filiação mais recentes relutaram no trato de suas relações pessoais e sobre os aspectos mais subjetivos, defendendo-se atrás de uma muralha construída pela retidão de seus apontamentos.

E por falar em grupo, o dicionário Aurélio o define como “pequena associação ou reunião de pessoas ligadas para um fim comum”, definição insuficiente diante do que foi demonstrado. Para os jovens, o grupo do qual fazem parte é muito mais que um encontro entre pessoas, é um lócus de interação e aprendizagem, local de convivência em que não só os fins são convergentes, mas também os símbolos de diferenciação grupal e de identidade coletiva. Nestes grupos, a significação transcende a discussão política e passa a ser balizada pela coerência que as significações coletivas têm em consonância às suas buscas pessoais, passando necessariamente pelas questões não apenas de cunho político-ideológico, mas também de pertencimento, de amizade, de laços tão fortes entre seus integrantes que esbarra na imaginária fronteira entre a amizade e a fraternidade. E realmente se torna difícil falar em família quando se imagina que a casa é o lugar onde as pessoas sentem-se bem, seguras e à vontade. Desta forma, o espaço partidário é local de construção de identidade dos jovens quando estes lá enxergam o seu próprio lar. Não raro foram as intervenções que declaram que os partidários respiram política, vivem política, passam mais tempo em reuniões e no partido do que em sua própria casa. Não raro os casos em que a casa, local de construção identitária, já não mais é o espaço que se divide com a família.

Mas a família não é deixada em segundo plano, nem jogada para fora das explanações como um produto descartável ou uma determinante não mais influente durante a juventude. Ao contrário, é um dos fatores de maior influência na filiação partidária, ligando a história familiar aos questionamentos pessoais. Pais e mães, avós e demais parentes, todos envolvidos no jogo social que é identificado com a política, nem que sejam apenas relacionados a eleições e direcionamento do voto. Por mais que busquem romper com a influência familiar, a ruptura não se dá sem marcas indeléveis, que não chegam a definir, mas são uma das determinantes mais influentes dentro das escolhas juvenis, tatuagens perenes da personalidade individual que serão compartilhadas em âmbito coletivo. Nas escolhas juvenis sobre seu grupo, influi no caso partidário o questionamento político sim, mas este em menor âmbito, pequeno se comparado à importância que é dada aos aspectos de relacionamentos. Voltando aos laços de amizade, na maioria dos casos são eles que definem a permanência dos indivíduos, bem como são as ações coletivas que marcam a lembrança de uma vida construída de forma conjunta. Corajosamente, alguns membros de partidos chegam a afirmar que o primeiro critério é a questão de sociabilidade. Outros mostram na sutileza de suas lembranças, constituídas nunca por momentos de felicidade ou tristeza individual, mas sim, repletas pelas ações construídas dentro do grupo.

Sobre estas condições de sociabilidade e a visão de mundo que é passada através de seus posicionamentos, vemos os jovens partidários construindo-se como indivíduos no sentido definido por Agnes Heller (apud. PELISARI, 2002.), ou seja, como seres que rompem com a alienação da sociedade e reconhecem suas necessidades particulares dentro das necessidades coletivas, assim enxergam-se como seres genéricos, do mundo, comunitários. Daí toma corpo a importância das Juventudes Partidárias como instâncias incentivadoras para que os jovens se constituam como cidadãos críticos e comprometidos com a coletividade.

A organização e o funcionamento das juventudes é questão que só pode ser entendida mediante a contextualização histórica de seus partidos de influência. A UJS, por exemplo, pode ser tratada como a mais tradicional se comparada sua prática histórica com as demais instâncias estudadas, porém seu aspecto mais relevante é a própria consideração do Partido Comunista do Brasil como sendo um partido basicamente formado por jovens – o que se comprova diante do âmbito em que pairam as conquistas e maior influência deste partido, qual seja o movimento estudantil. Já a JPSDB é a mais difícil de se definir, provável reflexo de duas variáveis. A primeira é a sua recente fundação (1999) e introdução dentro das disputas juvenis, a segunda, a própria história de seu partido de referência, claramente fundado em um movimento direcionado no sentido dos quadros políticos consolidados para a massa, o que não se vê, por exemplo, na JPT, em que a influência histórica partidária tem sentido diametralmente oposto, ou seja, seu partido foi fundado das massas – principalmente dos movimentos sociais – para os quadros.

E dentro destes partidos, a juventude não pode ser tratada como peça de reposição ou simples massa de manobra. Eles querem e podem mais. A renovação partidária deve realmente passar pela a construção endógena de quadros políticos, mas estes devem ser considerados desde o seu início, desde a sua mais tenra idade militante. Tal consideração deve ser relativa àquilo que os jovens têm a oferecer, ou seja, o seu vigor e esperança, sua crítica nova e sua nova visão de mundo. Todo militante tem capacidade de contribuir e com os jovens não pode ser diferente. Uma adequação ou adestramento do pensamento juvenil, que trilhe seus passos na direção de submetê-los à aceitação de paradigmas consolidados nos partidos e que, por isso mesmo, colocam-se num patamar intocável e de crítica inadmissível, é confirmar as hipóteses de que “a política (...) continua integralmente nas mãos do que chamamos a velha guarda. E, embora dirigindo à juventude discursos muito cordiais e por vezes muito lisonjeiros, os velhos a guardam ciumentamente seu monopólio”. (TROTSKY, 1968, p.32).

Neste mesmo sentido, pode-se identificar o jovem ainda como sendo um dos grupos de excluídos políticos. Interessante também notar o fato de que poucas são as mulheres participantes da militância política, bem como os negros que sequer foram identificados dentro da amostra utilizada na pesquisa. Outros grupos também identificados como minorias políticas, praticamente inexistentes. A quem tem sido direcionada a política partidária? A juventude chama atenção para a diversidade, mas onde encontrá-la dentro dos partidos? Somente nas idéias, ideologias, pensamentos e coligações?

Quanto às críticas normalmente feitas aos jovens, sobretudo no que diz respeito às ações de movimentos como o estudantil, principal foco da análise e dos apontamentos feitos por estudiosos e outros indivíduos que se arriscam a falar sobre as atitudes políticas deste grupo, é necessário que sejam feitas despidas do arcabouço do senso comum e, se não sob o olhar científico, ao menos sob a luz da contextualização histórica. No momento atual, em que o tempo é mercadoria e a sociedade impõe velocidades cada vez maiores para as ações cotidianas, o jovem se vê dentro de um jogo em que assume diversos papeis sociais, ora como estudante, ora como trabalhador, ora como partidário, enfim, a cada momento novo, um novo papel com determinações e obrigações diferenciadas. Este tempo é parte da queixa entre os vários envolvidos no trabalho, um tempo construído por uma sociedade de consumo que consome até mesmo a possibilidade de entrega total e irrestrita às lutas partidárias e aos movimentos relacionados à sua categoria. Não se vive mais sob uma ditadura que explicita a censura e nega direitos de forma gritante. Vive-se num estado em que o individualismo é sobreposto à coletividade, em que a ânsia de sobreviver dentro da selva capitalista é mais presente do que a possibilidade de se empreender mudanças que com ela rompam. Por isso, dizer que o movimento não é mais o mesmo, não tem a mesma força, está morto, é inexistente ou inútil, é agir de forma negativa com relação à ação e possibilidade de manifestação e conquistas juvenis. É concordar que a organização coletiva não cabe mais dentro do espaço de lutas, e que a idéia do “cada um por si” é a decisão acertada do presente momento. Por isso, acredita-se que o movimento estudantil – bem como todo e qualquer movimento empreendido por jovens – deve ser criticado em sua prática e sua contemporaneidade, e não negado veemente, numa nostálgica tentativa de se ter manifestações que só se encaixam em contextos passados.

Considerando um possível afastamento juvenil das instituições partidárias, deve-se considerar que no contexto contemporâneo este fenômeno não é característico apenas desta categoria social, mas sim da sociedade como um todo. O esvaziamento tem sido identificado dentro das tradicionais formas de agrupamento participativo, tais como os partidos políticos, associações de bairro, sindicatos e outras formações do gênero. Por mais que haja uma certa tendência de identificar este conjunto de fatos como sendo resultado de uma cultura consumista que, em última instância, desemboca na individualização exacerbada e enfraquecimento dos relacionamentos sociais, é importante atentar-se à observação de que o esvaziamento da participação citado tem suas bases fundadas nas tradicionais formas de participação política, enquanto que por outro lado crescem as formas de manifestações coletivas em formas alternativas, culturais sobretudo dentro do que se entende como juventude.

Estas novas formas de participação coletiva, de cunho contestatório, reivindicativo, crítico e político, tem sido mais sedutoras dentro da realidade contemporânea, e não podem ser consideradas, de forma alguma, com objetivos menos “nobres” que as agremiações partidárias. Ao contrário, este fenômeno pode ser lido como uma crítica feita pelos jovens – e até mesmo pela sociedade como um todo – à forma organizativa das Juventudes Partidárias, pois a criatividade destas novas alternativas de agrupamento configura-se como o sangue novo que oxigena as veias da vida coletiva, em reinvenções participativas simbólicas e concretas dentro do cotidiano dos grupos. E a leitura crítica torna-se mais preocupante aos partidários quando grande parte da sociedade e dos estudos sobre a participação política juvenil aceitam a afirmação de que os movimentos culturais crescem quantitativa e qualitativamente enquanto que o partidarismo juvenil definha.

Não se trata de fazer previsões nefastas e catastróficas sobre a extinção deste tipo de instituições. Trata-se de um alerta preocupado, feito quando se acredita no potencial que pode ser desenvolvido dentro da associação partidária. As sociedades são dinâmicas e exigem, por vezes, mobilidade e maleabilidade das instituições que nela se encontram, portanto é equivocada uma atitude conservadora diante às transformações. A organização e as estratégias partidárias serem estáticas é um erro cujo preço é bastante oneroso a qualquer bolso partidário.



[1] Ver: Juventude e nazi-facismo. In. GROPPO, L. A. Juventude: ensaios sobre sociologia e história das juventudes modernas. Rio de Janeiro: DIFEL, 200. 308p. (Coleção Enfoques. Sociologia).